Quando o Novo Pede Licença
Não foi um encontro. Foi um acolhimento.
Um toque leve de algo que eu nem lembrava mais que existia,
mas que, ao chegar, me fez lembrar de como é bom sentir-se vista.
Foi no abraço, no olhar, na escuta silenciosa e atenta —
ali, naquele instante em que os corpos se alinham e as defesas se desfazem, meu coração cochichou: “aqui pode ser abrigo”.
Eu me senti bem.
Sem precisar provar nada, sem me moldar, sem decifrar códigos.
Foi natural. Um sentir fluido, sem exigências nem cobranças.
Pela primeira vez em muito tempo, fui apenas… eu.
E isso foi suficiente.
O que veio depois foi tão delicado quanto o primeiro toque.
Não foram gestos grandiosos, mas a grandeza contida nos pequenos detalhes.
Ele me percebeu além das palavras.
Escutou o que eu dizia sem que eu precisasse repetir.
E encontrou, nos detalhes, o caminho para me tocar com doçura — literalmente.
Ele quem planejou.
Ele quem vasculhou, com delicadeza, minha rotina, e preparou uma surpresa doce. Chocolate.
Simples para alguns.
Mas não para quem sente o coração ser embalado por um gesto.
Foi o cuidado. Foi o querer bem.
Foi o “eu pensei em você” materializado — não porque pedi, mas porque ele se importou o suficiente para saber.
Ali, entendi o motivo da minha entrega.
Eu, que por tanto tempo tomei iniciativas na esperança de reciprocidade, me vi recebendo… sem esforço.
Eu, que tantas vezes investi sem retorno, me vi sendo surpreendida sem esperar.
Vi nele algo que me faltava há tempos: uma presença sincera, ativa, que cuida sem invadir, que se aproxima com leveza.
Foi isso que me fez abrir o acesso de novo.
A permissão não foi dada por carência.
Foi dada por reconhecimento.
Reconhecimento de algo que há muito tempo eu só encontrava dentro de mim, e agora estava ali — diante dos meus olhos — agindo com intenção e carinho.
Sem prometer o mundo, mas oferecendo presença.
Sim, às vezes minha mente tenta sabotar o momento.
Cria histórias, interpreta sinais, desconfia da calmaria.
Mas a verdade é que o novo chegou.
E pediu licença.
Com respeito, com afeto.
E eu, depois de muito tempo, senti que podia deixar entrar.
Não foi um encontro. Foi um ensaio.
De coragem. De abertura. De permissão.
Não tinha trilha sonora, mas meu coração tocava uma canção nova — com compassos de expectativa e receio.
Eu não estava pronta.
Mas estava disponível.
E há uma grande diferença.
Estar pronta supõe segurança.
Estar disponível é vulnerabilidade pura.
É olhar pra algo que ainda não se sabe o que será, mas se permitir sentir.
E eu senti.
Senti o frio na barriga que não vinha de promessas, mas de gestos.
Pequenos: uma mensagem, um carinho, um cuidado.
Senti o silêncio demorando a se romper.
Senti a ansiedade tentando me sabotar, o medo querendo me blindar.
Mas também senti um novo jeito de me ver…como se aquela troca — mesmo ainda frágil — me lembrasse que sou feita de afeto.
Teve um dia em que eu preparei tudo: a casa, o jantar, o coração.
E a vida, essa contadora de histórias imprevisível, mudou os planos.
Me vi diante da mesa posta, com um vazio ao lado.
Pensei em desistir.
Pensei em me fechar de novo.
Mas decidi ficar — comigo.
Com o risoto, com o vinho, com a música.
Decidi não desapontar a mim mesma, ainda que a ausência dele tenha doído.
Percebi que essa entrega, mesmo frustrada, era uma conquista.
Era o sinal de que o novo, de algum modo, estava ocupando um lugar.
Não é sobre o outro.
É sobre o que escolho fazer com o que sinto.
Sobre como me respeito na dúvida, na espera, na carência.
Sobre como pratico responsabilidade afetiva — a minha, antes de tudo.
Sim, ainda crio teorias.
Me pego desconfiando de horários, de silêncios, de carros parecidos.
Mas também aprendi a voltar pra mim.
A respirar fundo.
A confiar no que está sendo construído — gesto por gesto.
E se não for?
Tudo bem.
Ainda assim, eu me permiti.
Porque o amor não começa quando o outro chega.
Começa quando aceito viver — de verdade — o processo de me abrir.
O novo pediu licença.
E eu, com medo e tudo, deixei entrar.



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